Imagine um mundo em que você tem tudo perfeito: sua aparência, seu corpo, sua personalidade. Tudo. No entanto, essa perfeição só existe a cada sete dias e, na semana seguinte, você volta a ser quem é. Até que ponto você iria para viver essa vida ideal? Acredite, muitas pessoas, depois de assistir ao filme A Substância (EUA, 2024), dirigido por Coralie Fargeat, jamais desejariam essa vida. O filme conta a história de Elizabeth Sparkle, uma atriz que foi muito famosa na juventude, mas que agora está longe do auge de sua carreira. Ela é demitida de seu trabalho como instrutora de fitness para ser substituída por uma jovem muito mais atraente. A partir daí, Elizabeth começa a enfrentar crises relacionadas à sua aparência e à sua idade. É quando ela descobre uma nova droga, chamada Substância, que promete criar uma versão “mais jovem e mais bonita” de si mesma, que ela batiza de Sue. Decidida a mudar, ela resolve tomar a droga.
Na nossa realidade, é claro, algo assim não é possível. Mas será que, de alguma forma, não tentamos ser a melhor versão de nós mesmos? Não estou falando da melhor personalidade, mas da melhor aparência. Por que tentamos impedir o envelhecimento natural com botox? Ou por que incentivamos a busca pela magreza extrema com medicamentos como o Ozempic? Conforme a AMB, a venda de Ozempic gerou 3,7 bilhões de reais para a indústria mundial. E eu me pergunto: por quê? Esses padrões de comparação estão afetando cada vez mais adolescentes e jovens adultos. Em 2024, mais de 15 milhões de adolescentes (segundo a Câmara dos Deputados) sofrerão de distúrbios alimentares. Podemos realmente continuar com esses padrões impostos pela sociedade?
O filme A Substância ilustra, de maneira extrema, o impacto dessa busca por uma imagem idealizada. Por um tempo, a vida de Elizabeth, como Sue, é mais do que perfeita. Quando ela volta a ser Elizabeth, a realidade se torna sombria e deprimente. Quanto mais ela tenta extrair o fluido para manter a aparência, mais seu corpo se deteriora. Esses paralelos demonstram a ideia do “privilégio da beleza” — não só imposto pela sociedade, mas também internalizado por Elizabeth. Após ver a versão idealizada de si mesma, ela passa a desprezar a versão original. Em nossa sociedade, o aumento das cirurgias plásticas traz a mesma reflexão, especialmente quando as mudanças são permanentes. A atriz Demi Moore, que interpreta Elizabeth, disse em entrevista à revista Deadline: “Todos nós, se começarmos a pensar que nosso valor está apenas na nossa aparência, acabaremos sendo destruídos.” A obsessão por melhorar cada parte do corpo — seja orelhas, barriga, olhos, cabelo, pés, pernas ou seios — é irreconhecível. Querer atingir a perfeição absoluta é desumano.
Embora o filme mostre o extremo desse tema, podemos observar, no nosso dia a dia, situações e comportamentos que evidenciam a necessidade de um filme como esse. A conscientização sobre o que estamos fazendo e pensando sobre nós mesmos se tornou crucial. Porque, de alguma forma, já nos submetemos à Substância.
Fonte: Câmara dos Deputados. 2024. “Transtorno Alimentar Atinge Cerca de 15 Milhões de brasileiros, Revela Pesquisador em Audiência na Câmara.” Câmara Notícias, 1 de dezembro de 2024.
A Substância (2024). Imagem: divulgação.