Considerações sobre Cracolândia
De acordo com a CNN, órgão de imprensa mundialmente conhecido, o Brasil está entre os três melhores destinos turísticos para 2014. O que a imprensa omite, no entanto, é a miséria de grande parte da nossa população. Já foi à Sala São Paulo, por exemplo? Localizada no Centro, é a sede dos eventos mais prestigiados da cidade. A Sala é a quintessência de uma metrópole de opulência e rica cultura. Dela, contudo, bastam apenas poucos passos para qualquer pessoa se deparar com uma das realidades mais lamentáveis deste país: a Cracolândia, um quarteirão abandonado onde usuários de drogas convivem nas ruas completamente marginalizados – como se fossem invisíveis à sociedade. Os moradores da região vivem em situação precária e desumana, a ponto de trocarem a vida por uma pedra.
No último dia 25, nós, alunos da turma de Atualidades, nos dirigimos à Cracolândia. Após cumprir parte do trajeto de metrô, fomos até a sede da Secretaria de Saúde, no centro, onde fomos recebidos pelos coordenadores do projeto “De Braços Abertos” – nome escolhido por aqueles que usufruem dele. Após uma conversa com os responsáveis, partimos de van para o infame quarteirão. De cara, enxergamos uma realidade inimaginável para os nossos parâmetros, uma verdadeira cena de guerra. Se não bastassem os entulhos, os prédios demolidos e as montanhas de lixo, havia muitos barracos ocupando a calçada. A distinção não era tão clara aos nossos olhos: vozes saíam do que em um primeiro momento imaginávamos ser uma pilha de escombros.
O projeto visitado tem o propósito de proporcionar assistência e certo conforto àqueles que vivem na Cracolândia. Trata-se de um espaço da Prefeitura no qual os usuários de crack podem se refugiar, assistir a TV, manifestar suas habilidades artisticas, solicitar assistência médica e psicólogica e tirar um bom cochilo, pois lá se sentem mais seguros. A despeito do propósito louvável, o projeto de certa forma não se mostra efetivo a longo prazo. O espaço funciona das 7h às 17h, mas as necessidades dos usuários são intermináveis. O projeto tem como objetivo principal estimular as pessoas a pedirem ajuda, mas isso nem sempre acontece e muitos usuários permanecem no mesmo estado, sem a força de vontade necessária para largarem de vez a droga.
Antes de nossa visita, perguntaram-nos o que esperávamos encontrar na Cracolândia. Todos tínhamos uma perspectiva altamente influenciada pela mídia, que associa os usuários de drogas à violência e à falta de controle sobre seu corpo e sua mente. Lá, contudo, vimos que essa visão não passa de um estereótipo, já que costumamos esquecer que o dependente dessas substâncias psicoativas é um ser humano, que ama, sente e sofre. Injustamente, muitos ignoram as razões por que essas pessoas se encontram nesse estado. Esses são indivíduos que nunca tiveram opções ou oportunidades na vida e, por isso, acabaram recorrendo à droga para amenizar as mazelas do seu cotidiano.
Às sextas-feiras, uma roda de samba, batucada em latinhas de cerveja e latas de lixo. Nos bolsos, cachimbos e cigarros, a realidade sofrida por trás dos cantos e batuques. Todos são bem vindos e cantam alegres, unidos – um verdadeiro alívio. Mc Kauex lidera a roda. Seu sonho: ficar famoso, cantar rap como profissional: “Um dia ainda vou ser famoso”, disse, “Vou cantar para todos. Vocês vão ver.”, e abriu um grande sorriso, mostrando seus dois dentes. Sua perspectiva, caso se concretize, será exceção a duas constantes que permeiam o passado e o presente brasileiros: a imobilidade social e a falta de oportunidades à maior parte da população de nosso país.
Alan Garcia-Ramos, Maria Antonia Rodrigues e Luiza Mizrahi
Assistência de Edward Alonso Sanchez
Revisão de Alain Youssef e Mauro Dunder