São Paulo está perto de uma nova crise hídrica e, como na última vez, a propaganda governamental é direcionada ao povo e pede para que se tomem banhos mais curtos, desligue a torneira ao escovar os dentes, além de outros usos pequenos. Mas isso falha em tratar do problema real. O uso doméstico de água corresponde somente a 8% do uso total. Enquanto isso, 70% do uso é direcionado à agropecuária e 22% à indústria. O problema não é que as pessoas tomam banhos longos demais, ou a falta de água. Ele é, sim, como a maioria dos problemas no nosso país, um problema de distribuição. 

Mas não me leve a mal: o problema não é a agricultura. Tampouco é a falta de água, ou de espaço. O problema é muito maior. O problema é que gastamos terra e água demais em produtos que não são tão necessários. O agronegócio usa muito mais dessas riquezas e contribui muito menos com a alimentação do povo brasileiro que a agricultura familiar. A agricultura familiar é responsável por cerca de 70% da comida na mesa dos brasileiros. Ela é responsável, também, por 70% da mão de obra camponesa. E ela também utiliza menos água. Mas a agricultura familiar, embora seja tão crucial para o Brasil, só ocupa um quarto das terras rurais. 

Parte significante do problema é a monocultura de soja. Monocultura é o termo usado para se referir ao cultivo de um único produto. Isso é negativo por vários motivos: causa desequilíbrio ecológico, a perda de biodiversidade e, mais importante, a monocultura causa o consumo excessivo de água. A soja utiliza muita água. Para cada quilo de soja plantado, são usados quase mil e quinhentos litros de água. Na safra de 2019/20, o Brasil produziu 124.825 milhões de toneladas de soja. Isso quer dizer que, na última safra de soja, foram gastos cerca de 187 trilhões de litros de água. Enquanto isso, um banho de 15 minutos, com o registro meio aberto, consome cerca de 135 litros de água. Se todos os brasileiros tomassem 2 banhos por dia todo dia, em um ano, teriam sido gastos menos de 21 milhões de litros de água. Isso é 0.00001% do uso de água direcionada apenas à soja. Adicionalmente, o plantio de soja está muito associado ao desmatamento ilegal. Segundo estudo publicado na revista Science, cerca de 20% da exportação de soja brasileira pode estar contaminada com o desmatamento ilegal na Amazônia e no Cerrado. Como a Amazônia é o berço das chuvas em todo o Brasil e na América do Sul e o vento leva as gotículas de água evaporadas da floresta para o resto do continente,  preservar a Amazônia é crucial para que não falte água. 

Fazer melhor uso da terra e da água é necessário para que o país tenha um futuro melhor. O Brasil tem terra e água o bastante para abastecer toda a população brasileira – e a de outros países. O Brasil é dono de um quinto de toda água no mundo. A gente deveria estar muito longe de uma crise hídrica. Temos o bastante. Mas precisamos cuidar da água que temos.