Marielle: Mais que um aviso, um pedido de ação

Está na hora de sairmos de nossa bolha

Isabel Park

Na quarta-feira, dia 14 de março, a vereadora do PSOL, Marielle Franco, foi morta a tiros na região central do Rio de Janeiro. Uma notícia que, devido à situação atual do nosso país, parece ser apenas mais uma decepção, mais uma morte, mais uma vítima. Mas, então, por que precisamos falar sobre ela? Afinal, todo dia, ao abrir o Facebook, somos bombardeados por notícias de assaltos, de estupros e de assassinatos. Por que estou usando um artigo da minha coluna e o dedicando exclusivamente a essa situação? Simplesmente porque ela foi mais uma vítima de tudo isso e nós (sim, nós de elite e com altíssima escolarização) continuamos seguindo nossas vidas como se nada tivesse ocorrido.

 

Precisamos entender que não é normal haver uma intervenção federal militar em uma das maiores metrópoles do país. Não é normal a ida de uma criança à escola ser um risco à sua própria vida. Não é normal fiéis serem mortos na porta da Igreja. E o exército não consegue resolver esses problemas. Como disse o chefe da ONU para Direitos Humanos, Zeid Al Hussein, “As Forças Armadas não são especializadas em segurança pública ou investigação” e, portanto, o problema não pode ser resolvido com uma lógica mais apropriada para guerra. A intervenção é baseada na falsa ilusão de que um problema tão complexo pode ser resolvido com apenas um passo. Afinal, investigações atuais já nos mostraram que o próprio exército está sendo corrompido pelo crime organizado. Como, então, que um corpo corrupto pelo próprio mal que combate vai conseguir realizar seu papel? Os moradores encontram-se no meio de um conflito ardoroso entre facções onde “[há] muito silenciamento, tapa na cara, casas invadidas e tortura. Isso é o que o Estado nos coloca em troca dessa suposta paz. As trocas de tiros acabam, mas a população sofre e o crime organizado continua”, explicou Tainã de Medeiros, morador do Complexo do Alemão para o jornal Brasil de Fato. O próprio secretário da segurança da Cidade do Rio de Janeiro não foi consultado sobre a intervenção. Ela não é um ato normal ou planejado.

 

Marielle foi apenas uma cidadã que procurou mostrar os crimes humanitários que estão acontecendo por conta da intervenção. No seu Twitter, é possível achar diversos tweets, como um que expõe um policial de Acari, que mostram os efeitos da intervenção. No entanto, foi morta a tiros, de modo que pareça ser um assassinato. Marielle foi assassinada defendendo os nossos direitos, os direitos humanos.

 

Mas, mesmo assim, nós continuamos nossas vidas normais. Afinal, não é aqui que está tendo uma intervenção militar. Não foi a minha vizinha que morreu a tiros na noite passada. E mesmo se fosse, eu não posso fazer nada. Eu não quero. Não entendo. Não tenho opinião sobre.

 

Mas, a história nos ensina que, em tempos de crise, é mais importante agir do que pensamos, e Marielle exemplifica isso. Sua morte gerou inúmeros protestos ao redor do país, incontáveis postagens no Facebook…mas são poucos de nós que participam da discussão.

 

Na escola, aprendemos sobre heróis revolucionários e usamos suas frases como argumentos nas nossas dissertações; mas, ao chegarmos em casa, nos trancamos nas nossas coberturas, trinta andares altos demais para ouvir os tiros da guerra lá embaixo.

 

Quando somos entrevistados para empregos, estágios e faculdades, falamos que queremos mudar o mundo e ser cidadãos globais. Impressionamos empregadores com nossos intercâmbios no exterior. Mas, do que adianta tudo isso se nos recusamos a participar do que está acontecendo bem aqui do nosso lado?

 

Somos privilegiados. Temos muros, carros blindados e possibilidades de futuros no exterior, caso tudo aqui falhe. Mas, 99% do nosso país não tem essa oportunidade. Com nossa posição social, nossa cor de pele e, para alguns de nós, nosso sexo, é muito mais fácil ser ouvido.

 

Porém, voltamos ao de sempre: você está disposto a ajudar? Você está disposto a se colocar de lado? A sair de sua casa e protestar? A ir às urnas e votar para o Brasil como um todo e não para você?

 

Antes de assumir qualquer uma das posições de liderança que todos nós aparentemente sonhamos ter, de ser presidente de uma empresa ou, até, de um país, lembre-se que nosso primeiro dever é de ser cidadão. O nosso status social privilegiado não nos exclui da sociedade. Muito pelo contrário: nos dá milhares recursos para ajudá-la.

 

Você está disposto?