Menos miscigenação, Mais Oxigenação
Em tempos onde ser ativista é popular; é imprescindível a oxigenação de ideias antes que se cometam equívocos e injustiças na rotulação de conceitos.
Nos últimos meses, venho lendo incontáveis relatos, posicionamentos e comentários a respeito do desumano episódio ocorrido no Rio de Janeiro, onde uma jovem viu seu corpo violado e sua dignidade arrancada por 30 bárbaros “homens” (?). Seguido do acontecimento, ouvi também, nas redes e rodas sociais: “No Brasil existe uma cultura do estupro…” Antes de mais nada, é inconcebível afirmar que isso seja uma cultura. Aquele acontecimento não comprova por si só uma cultura do estupro. No entanto, prova que a humanidade nunca esteve tão perto de suas origens selvagens e macabras, onde o mais forte prevalece e o mais fraco é condicionado à mísera impotência e repressão. Longe de qualquer tentativa de extração positiva do episódio, mas que o choque da notícia nos leve a refletir, como sociedade, a respeito da violência cotidiana a que sujeitamos as mulheres nas atividades em que são julgadas inocentes e que são banalizadas pelo patriarcado.
Ainda que a nomenclatura dessa linha de pensamento esteja embaçada, pode-se afirmar que a objetificação da mulher é uma realidade, não apenas nos campos contemporâneos mas também tem acompanhado o “progresso” social desde os primórdios da história. Está em piadinhas e memes; está no silêncio conivente; se fortalece na ausência de um sonoro repúdio a comentários de mau gosto e em nossa omissão diante de atitudes imorais de certos “homens” (?), com flertes que não são bem-vindos, toques indesejados, adjetivações vulgares e a imposição da vontade masculina pela força física (ou sua ameaça).
A cultura da objetificação como os exemplos supracitados propaga-se desde o nascimento. Quando famílias dão boas-vindas a um recém-nascido já criam expectativas comportamentais para ambos gêneros. Caso seja homem, espera-se que ele se seja imponente, altruísta e, até mesmo, agressivo. Em contrapartida, se for menina, espera-se que seja delicada, atenciosa… Esses rótulos são pré-determinados scripts que devem ser seguidos. A necessidade de que seja criada uma dicotomia entre gêneros propõe a ideia de separação e, logo, uma hierarquia que favorece, infelizmente, um agigantamento masculino em detrimento da mulher. Portanto, o homem se sente endeusado, perpetuando a prática de atividades aquém do conceito de civilização e sociedade.
Há de se combater, sim, a sociedade patriarcal. Nesse mérito, movimentos de equidade, feministas, e libertadores cumprem seu objetivo na luta pela voz da mulher. Mas, isso além de insuficiente, representa apenas uma pequena parcela dos que são ativistas de corpo e alma. Não me entendam errado, engajar-se em movimentos humanitários e engrandecedores é nobre, necessário e humano. No entanto, deve-se distinguir o que é uma reflexão superficial do que é, de fato, uma ação efetiva.
Soa-me estranho o comportamento de muitos que choram, gritam, por elas. Aquele caso ficou famoso pois foi filmado, exibido nas plataformas de comunicações e mídias sociais. Há uma exacerbada necessidade do registro para que fatos sejam validados. A espetacularização de acontecimentos humanos é o que motiva as pessoas a falarem sobre qualquer tema. Engendra-se, então, a partir de um “dever ético”, um debate da semana. Parece até antiético não haver uma postagem expressando a sua incondicional solidariedade e empatia para com as vítimas de acontecimentos trágicos. O padrão se repete à medida que assuntos surgem no ar. Isso foi recorrente em casos como o impeachment, direitos de animais, preservação do meio ambiente, Game of Thrones, crise etc. Questiono-me do porquê do debate não se estender além das esferas cibernéticas, da autorreflexão não se aprofundar como deve no âmbito da resolução desses problemas. O debate, ainda que válido, é terminado assim que somos desconectados ciberneticamente. Nesse sentido, pode-se argumentar de que, sim, há uma cultura do estupro como também há uma de política, economia, séries e tantos outros temas que nos rondam.
Portanto, há, sim, uma cultura de objetificação da mulher, mas não de estupro; qualquer prática que se relacione àquela deve ser expurgada e fortemente combatida dentre as concepções de massas, homens e até mulheres.
Acredito que ainda que não posso expressar nem uma pequena fração do desconforto que milhões de mulheres enfrentam diariamente no transporte público, andando pelas ruas, no trabalho e em tantas outras situações, tenho cumprido o papel social de que tantos homens se vêem eximidos. Jamais experimentarei o que é ser mulher, mas, na guerra pela equidade, não há gênero e, sim, humanidade. Mas que essa luta seja pautada na autorreflexão e na ação efetiva.
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Marcelo • Oct 2, 2016 at 1:36 pm
Meus parabéns pelo texto.