Que tal deixar a Venezuela fora disso?
A última campanha eleitoral brasileira foi suja. As pessoas, embriagadas pela emoção, falaram de tudo para tentar empurrar a vitória do seu candidato e afundar o outro. Tudo bem, faz parte. As disputas acirradas, aquelas que mais empolgam o eleitor, sempre terão discussões que trazem à superficie argumentos exponencialmente radicais e acusativos. Embora isso faça parte do processo demócratico, como cidadãos responsáveis, não podemos tolerar a manifestação do ódio, do desrespeito, e da ignorância. Por estes motivos, quando o sócio do jornal Estadão, um dos maiores jornais do Brasil, carregou um cartaz com a mensagem “F***-se a Venezuela”, decidi cumprir minha responsabilidade como um cidadão latino e global, e escrever uma carta aberta ao senhor em questão.
Segue abaixo a íntegra da carta:
Prezado Sr. Fernão Lara Mesquita,
Sou um venezuelano de dezesseis anos que mora no Brasil há oito e com esta carta, expresso meu mais profundo repúdio à sua ação na passeata em favor do candidato Aécio Neves, na quarta-feira do dia 23 de outubro de 2014. Naquele momento, o senhor carregava um cartaz que dizia “F***-se a Venezuela”, ato que não preciso lhe lembrar. Não opino politicamente sobre nenhum dos candidatos, já que não sou brasileiro e não voto, mas não posso ficar calado quando meu país é atacado e degradado, como se fosse um Estado nulo, e seus cidadãos tratados como comunistas sem cérebro.
Após 8 anos, cheguei a amar o Brasil e seu povo, mas me entristeço quando ouço comentários humilhantes sobre venezuelanos e cubanos, como aquele que o senhor levou nas mãos. Eu sei que parece difícil de acreditar, mas os cidadãos desses países são pessoas de carne e osso, que sofrem, suam e choram, como todos os brasileiros e cidadãos do mundo de todos os partidos políticos. Meu país sofre uma polarização extremamente profunda que o tem dividido com ódio e dor. Temo que o mesmo esteja acontecendo no Brasil.
A Venezuela, como Cuba, não é representada apenas pelo chavismo, comunismo ou outra ideologia. É um país. Portanto, sua generalização, que toma um país pelo partido que está no poder, é vergonhosa, ainda mais vinda de um jornalista que, presumo, seja tão experiente como o senhor. Me sinto profundamente ofendido e entristecido pelo o que você pensa do meu país tão querido. O que o mundo, especialmente a América Latina, menos precisa é de ódio. Necessitamos de compaixão e irmandade, independentemente de ideologia, classe, cor ou nacionalidade. Porque, no fim das contas, os partidos trocam de poder, as ideologias mudam, mas seguimos como latinos, sempre.