Procura-se um novo brasileiro
Sentado no sofá da casa de minha namorada, deparei-me com um artigo de Nizan Guanaes, pai de um ex-aluno da Graded. O texto me chamou a atenção por ser de autoria de alguém que tem relação próxima com a nossa escola; porém, após a leitura, fiquei incomodado com vários aspectos abordados pelo autor.
Primeiramente, a reverência ao americanismo feita por Nizan é a raiz do problema que ele mesmo aponta no Brasil. A mentalidade consumista, tão criticada no texto, e associada à falta de cultura da elite brasileira, é uma ideia que foi importada junto com a globalização e que, apesar dos inúmeros problemas, trouxe uma série de benefícios a nosso país, como maior acesso à cultura, por exemplo. Infelizmente, a globalização também glorificou a necessidade de “manter a aparência”, de acordo com certas normas sociais bastante antigas, que promovem apenas a futilidade. Portanto, a educação é, sim, o caminho para que todos, não só a classe economicamente dominante, escapem desse paradigma defasado e utilizem a modernização para promover novas ideias. Até aí eu concordo com o senhor Guanaes.
Ao contrário dele, entretanto, não vejo os americanos como um povo que esbanje cultura. A escola Exeter, instituição frequentada pelo filho de Nizan, é citada pelo publicitário como representativa da qualidade de ensino oferecida por escolas nos Estados Unidos e na Inglaterra onde, segundo o texto, “mentes são forjadas a ferro e fogo”. Exeter é conhecida pelo seu método diferenciado, com aulas em formato de seminário e discussões, sem palestras e aulas expositivas por parte dos professores. E diferenciados são seus alunos, que passam por um árduo e desgastante processo seletivo. Portanto, é impossível afirmar que Exeter seja um microcosmo do sistema educacional dos países mencionados por Nizan. Reduzir Inglaterra e Estados Unidos ao tipo de formação educacional oferecida pela Academia Exeter é, no mínimo, uma generalização.
Talvez a melhor qualidade que esses países possuam seja a capacidade de reconhecer e desenvolver a capacidade intelectual de seus habitantes e o sucesso profissional que geralmente acompanha essa virtude. A meritocracia é inerente à formação do povo anglo-saxão, tanto que está presente em sua língua. A simples comparação entre as expressões “make money”[1] e “ganhar dinheiro” já expõe a diferença entre nossa cultura e a deles. A prática anglo-saxônica enxerga o enriquecimento como resultado do trabalho, do mérito e da perseverança da pessoa, já os latinos não. A meritocracia até chegou a ter lampejos de popularidade no Brasil, durante a era Vargas, mas logo caiu no esquecimento.
Para formar a classe culta que Nizan propõe em seu texto, uma classe que prestigie o que é verdadeiramente bom, precisamos mudar a mentalidade dos brasileiros. O maior erro no artigo de Nizan é o enforque na classe mais alta, num país onde as pessoas vêm ascendendo rapidamente em questão econômica. Cobrar dos ricos educação e cultura não trará nada para o futuro, pois amanhã o pobre pode virar rico e o rico virar pobre. Temos que exigir de todos (sim, dos pobres também!) o interesse pela cultura e a valorização da boa formação. Precisamos trazer de volta, e com toda força, a ideia de que “quem trabalha tem razão”[2] e que o trabalho só pode gerar bons frutos se houver ensino de verdade.
Confesso que gostei do artigo do Nizan porque também acredito que a falta de cultura e de interesse pela arte, gastronomia, música, literatura e teatro (novela da Globo não vale, não!) representa um dos maiores problemas da sociedade moderna brasileira, que é antenada, mais do que tudo, em aspectos fúteis da convivência humana como a aparência e o superficial. Vivemos tempos sombrios e uma perspectiva como a de Nizan Guanaes deve vir à tona para demonstrar que o Brasil, e não só o Brasil, caminha a passos largos para um futuro ainda mais tenebroso. É necessário promover mudanças, porém não tenho certeza de que existe a possibilidade de elas ocorrerem. Será que é possível mudar a forma como 200 milhões de pessoas veem o mundo?
Texto de Nizan Guanaes: http://siterg.terra.com.br/news/2014/03/18/procura-se-uma-nova-classe-alta-por-nizan-guanaes/
[1] Tradução literal: “fazer dinheiro”.
[2] Trecho da versão censurada da canção “Bonde de São Januário” (1940), de Wilson Batista.
Mendelicious has been with The Talon for three years. In his first year, he was a reporter for the News section. In his second year, he was a reporter...
Angelina Carone Batista Fregonesi • Apr 1, 2014 at 11:57 am
Parabéns, Mendel, pela iniciativa e pelo diálogo franco e ético que seu texto faz com o texto de Nizan. Um prazer ler o que escreve. Você oferece ao leitor bons pontos e contra pontos de reflexão. Seu texto é um convite atraente, para o bom debate, com possibilidades de aprofundamento no tema, caso seus leitores queiram fazê-lo. Abraço
Amaral Cunha • Apr 1, 2014 at 10:45 am
Mendel
Adorei o seu texto e a reflexão que nos promoveu diante do texto do Guanaes. Concorco plenamente com você quando diz estar de acordo com uma maior valorização e promoção da cultura, o que é também sugerido pelo Guanaes, Mas, quando o modelo americano é usado como um ingrediente de sucesso e para isso mencionada instituições acessíveis apenas a uns poucos financeiramente privilegiados, acho que perde um pouco o valor.
Sim, a cultura e educação precisam ser um trabalho de base e nesse contexto tanto o Brasil como os EUA tem muito a fazer.
🙂
Amaral